terça-feira, 22 de março de 2011

CRIANÇA, A ALMA DO NEGÓCIO

Papo sério hoje!!

Eu já conheço esse vídeo há um tempo, mas estava esperando uma oportunidade especial para apresentá-lo a vocês. Como descobri que hoje (21/03) é o Dia Mundial da Infância (UNICEF), resolvi postá-lo.

"Criança, a alma do negócio" é um documentário sobre publicidade, consumo e infância, produzido pela Maria Farinha Produções.

SINOPSE:

"Por que meu filho sempre me pede um brinquedo novo? Por que minha filha quer mais uma boneca se ela já tem uma caixa cheia de bonecas? Por que meu filho acha que precisa de mais um tênis? Por que eu comprei maquiagem para minha filha se ela só tem cinco anos? Por que meu filho sofre tanto se ele não tem o último modelo de um celular? Por que eu não consigo dizer não? Ele pede, eu compro e mesmo assim meu filho sempre quer mais. De onde vem este desejo constante de consumo?" Este documentário reflete sobre estas questões e mostra como no Brasil a criança se tornou a alma do negócio para a publicidade. A indústria descobriu que é mais fácil convencer uma criança do que um adulto, então, as crianças são bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo e que falam diretamente com elas. O resultado disso é devastador: crianças que, aos cinco anos, já vão à escola totalmente maquiadas e deixaram de brincar de correr por causa de seus saltos altos; que sabem as marcas de todos os celulares mas não sabem o que é uma minhoca; que reconhecem as marcas de todos os salgadinhos mas não sabem os nomes de frutas e legumes. Num jogo desigual e desumano, os anunciantes ficam com o lucro enquanto as crianças arcam com o prejuízo de sua infância encurtada. Contundente, ousado e real, este documentário escancara a perplexidade deste cenário, convidando você a refletir sobre seu papel dentro dele e sobre o futuro da infância.


Eu sei que o vídeo é bem grandinho, mas vale muito a pena assistir. Ele está disponibilizado gratuitamente no youtube e encontra-se dividido em 6 partes (a última é apenas de créditos). Tem também uma versão reduzida, mas o assunto é tão sério e o documentário é tão bem feito que vale a pena prestigiá-lo, assistindo a ele por inteiro.

Alguns destaques:

- Na parte 2 (1,33") a psicóloga apresenta a figura de vários animais a um grupo de crianças que não conseguem identificá-los. Contudo, quando ela mostra o logotipo de marcas de aparelhos celular, as crianças manifestam-se sem hesitar.

- Na parte 2 (2,40") uma menina de aproximadamente uns 13 anos apresenta sua casa simples com um jet ski na garagem e a coleção de 4 aparelhos celular, sendo que ela relata emocionada que o primeiro telefone ela ganhou com apenas 7 anos, momento no qual nenhuma outra criança tinha.

- Na parte 2 (5,00") uma menininha de uns 5 aninhos mostra sua coleção de 33 calçados.

- Na parte 3 (3,00") uma mãe admite que não tem tempo para seus filhos e por esse motivo os enche de presentes.

- Na parte 4 (3,00") uma menina de 13 anos relata que se encontra na sua segunda gravidez (na primeira ela perdeu o bebê) e que seu maior medo é ser abandonada por seu namorado.

- Na parte 4 (5,45") as crianças demonstram que não sabem identificar os nomes de frutas e verduras, no entanto sabem de cor os nomes dos salgadinhos da moda.

Por uma questão de direito autoral eu não posso relatar o vídeo inteiro, mas destaquei esses momentos que achei mais chocantes. Mas o vídeo vai muito além, discutindo assuntos como a influência da criança nas compras, os valores que são passados pela publicidade abusiva, o relato de desejos infantis (não pense no "meu primeiro gradiente", a maioria queria morar no shopping e possuir vários automóveis e prédios), a padronização que as crianças acabam sofrendo, a indústria da beleza, a projeção dos pequenos nos adultos (mini adultos imaturos), os péssimos hábitos alimentares e a despreocupação com o meio ambiente.

Ainda, na parte 5 tem um momento muito importante em relação a sugestões de soluções para esse problema no Brasil, quando são apresentadas as normas jurídicas sobre publicidade infantil de países desenvolvidos, como Suécia, Inglaterra, Bélgica, EUA e Alemanha. 

Nosso país está muito atrasado no que diz respeito à regulamentação da publicidade para crianças e adolescentes. 

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária consiste num sistema de regras de autodisciplina da atividade publicitária, "também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio.” (art. 16). Ele até traz alguns princípios importantes, mas nada de muito impacto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente praticamente se omite sobre o assunto.

O Código de Defesa do Consumidor se limita a citar a criança na conceituação de publicidade abusiva: "É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança." (art. 37).

Quem assistiu ao documentário percebeu que o assunto é muito sério para todo esse descaso do Estado em sua regulamentação. Mas será que os consumidores (inclua-se nessa) dão a atenção merecida ao assunto? Eu sei que o poder da indústria da publicidade é muito superior ao nosso, mas não podemos ficar de mãos atadas enquanto o Estado brasileiro se omite. Temos que ser fortes, remar contra a maré e educar muito bem nossos filhos. 

terça-feira, 15 de março de 2011

DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR

Hoje é uma data a ser comemorada por todos os consumidores do mundo. 

Isso porque no dia 15 de março de 1962 o presidente norte-americano John Kennedy enviou ao congresso de seu país uma mensagem em defesa dos direitos dos consumidores, dando início a discussões mundiais que inspiraram a criação de várias leis consumeristas. Em sua declaração foram anunciados quatro direitos básicos de todos os consumidores: direito à segurança, à informação, à escolha e direito de ser ouvido.

Por essa razão no dia 15 de março é comemorado o Dia Mundial do Consumidor.



Um dos principais frutos do início do debate mundial sobre os direitos dos consumidores, incentivado pela iniciativa de John Kennedy, foi a Resolução 39/248 da ONU de 1985, da qual o Brasil é signatário, que possui como princípios:

- proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança;
- fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;
- fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais;
- educar o consumidor;
- criar possibilidades de real ressarcimento ao consumidor;
- garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos ou organizações de relevância e oportunidades para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes.

Incentivada por essa onda internacional, a Constituição Federal de 1988  estipulou no seu quinto artigo a promoção da defesa do consumidor pelo Estado. Ainda, instituiu como princípio da Ordem Econômica a defesa do consumidor. Por fim, em seu artigo 48, determinou a criação do código de defesa do consumidor.



Sendo assim, em 11 de setembro de 1990 foi promulgado o tão conhecido Código de Defesa do Consumidor, que teve início de sua vigência em 11 de março de 1991 (Sim, sexta-feira passada o nosso querido código fez 20 aninhos!!!). Considerado como um dos melhores instrumentos de defesa do consumidor do mundo, o código brasileiro previu a Política Nacional de Relações de Consumo, que tem como objetivos:

- atendimento das necessidades dos consumidores;
- respeito à sua dignidade, saúde e segurança;
- proteção de seus interesses econômicos;
- melhoria da sua qualidade de vida;
- transparência e harmonia das relações de consumo.

Ainda, tem como princípios:

- reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
- ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor;
- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica , sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
- educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
- incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
- coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações  industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
- racionalização e melhoria dos serviços públicos;
- estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Pode-se observar a grande quantidade de objetivos e princípios no Código, o que faz dele uma lei principiológica, ou seja, que dita as diretrizes para a defesa do consumidor. Até porque, apesar de se constituir em um microssistema normativo, o Código não basta por si só. Alguns assuntos necessitam de um aparato legal mais específico. Ademais, nosso código foi promulgado na década de 90 e em 20 anos muitas coisas mudaram em nossa sociedade, o que exige uma constante atualização das normas consumeristas. De qualquer forma, o Código de Defesa do Consumidor sempre se consubstanciará na norma principal de direito de consumo, tendo observância obrigatória na aplicação de outras leis.

Muitos são os motivos para comemorar, mas não podemos esquecer as novas questões que surgem a cada dia, como o consumo sustentável, o comércio eletrônico e o superendividamento do consumidor. E claro, de nada adianta nosso país possuir uma legislação moderna e eficiente se não forem respeitados os direitos dos consumidores na prática. Portanto, querido consumidor, não deixe que isso aconteça: passe essa ideia adiante. 


terça-feira, 1 de março de 2011

NÃO TROCAMOS PRODUTOS EM PROMOÇÃO

Sabe aquela sensação que professor de português tem quando ouve "Empresta o livro pra mim ler"? Não sou professora de português, mas também tenho essa péssima sensação quando leio ou escuto certas frases, que do ponto de vista da gramática portuguesa podem não estar incorretas, mas sob a óptica do Direito do Consumidor beiram a falta de respeito. 

"Não trocamos produtos em promoção" consiste numa dessas frases de horror. E como nos encontramos numa época na qual somos bombardeados por liquidações, eu me vejo na obrigação de alertá-los sobre essa prática comum no comércio. 

Lembrei de uma situação que se encaixa perfeitamente como exemplo para a questão ficar mais clara. Num belo dia fui a uma loja de calçados muito famosa na cidade, que estava com promoção de até 70% nos produtos (é de conhecimento geral que o sapato com 70% de desconto é o número 42 na cor amarelo-barro). Experimentei um par de sapatos (perceptivelmente da estação passada, mas era um modelo clássico então valia a pena ser comprado) e decidi comprá-lo. Como uma boa consumidora, exigi a nota fiscal no momento do pagamento. A vendedora disse que não adiantava eu receber a nota fiscal porque aquele produto não poderia ser trocado de qualquer jeito. Como assim??? Dei um discursinho básico de uns 5 minutos e exigi a nota fiscal, que foi gentilmente concedida. Prática duplamente abusiva!


Afinal, por qual motivo os produtos em promoção não teriam direito à troca? Leitores assíduos do blog questionam: qual troca, a facultativa ou a obrigatória? Eu estou falando sobre a troca obrigatória, até porque a facultativa, como o próprio nome diz, é facultativa, pode ser concedida ou não. Mas os comerciantes especificam se essa troca que não pode ser efetuada é a obrigatória ou a facultativa? Geralmente não (eu pelo menos nunca vi). E eles justificam a razão de o produto estar em promoção ou de não poder ser trocado? Só se a gente perguntar e olhe lá.


As relações de consumo são regidas por inúmeros princípios jurídicos. Destaco três que devem ter observância obrigatória nessa situação específica. Pelo princípio da Boa-fé objetiva as partes (consumidor e fornecedor) devem agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade. Já o princípio da Transparência se traduz na obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que são oferecidos. Por fim, o princípio da Informação, complementando os dois anteriores, estabelece a obrigação de o fornecedor prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços, etc, de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.


Aplicando-se esses princípios aos produtos promocionais, chega-se a conclusão de que o fornecedor deve prestar de maneira clara e precisa o motivo pelo qual os produtos estão em promoção e não podem, teoricamente, serem trocados. 


Eu já publiquei um post diferenciando a troca obrigatória de produtos por aquela troca facultativa, geralmente disponibilizada pelo fornecedor quando compramos algo "para presente". Lembrou? Não? Segue o link então para relembrar: http://aeradoconsumo.blogspot.com/2010/12/e-pra-presente.html

Tanto em produtos com o preço normal, quanto em produtos em promoção, o fornecedor terá a faculdade de disponibilizar a troca por motivos que não sejam os legais, como por exemplo, um arrependimento posterior da cor do produto, um presente que não serviu, etc. Como se trata de uma faculdade, o comerciante terá o direito de não conceder a troca em tais casos para os produtos em promoção. Apenas alerto para que nessa situação o fornecedor deixe bem claro ao consumidor o real motivo da plaquinha "não trocamos produtos em promoção", ou seja, que seja esclarecido de antemão que não podem ser trocados produtos em promoção apenas naqueles casos de presente, arrependimento posterior, etc.

E quanto às trocas obrigatórias? Não importa se o produto está com seu preço normal ou com desconto, se houver vício de qualidade, sua troca será uma das opções dada pela lei para resolver o problema.

Destaco os dois principais motivos para a ocorrência do desconto do produto:

1 - Produto da estação passada: Acabou o verão e as lojas precisam se desfazer dos produtos antigos para dar lugar aos produtos da nova coleção. Para isso elas promovem superliquidações com descontos razoáveis. Não é do interesse dos comerciantes que o consumidor troque a jaqueta de 40 reais (preço com a promoção, porque o preço anterior era de 60 reais) da estação passada pela janqueta de 60 reais da nova coleção. Contudo, nos casos de vício de qualidade do produto a troca continuará obrigatória. Se a jaqueta de 40 reais da estação passada apresentar problema no zíper, desde que não provocado pelo mau uso do consumidor, a loja deverá respeitar o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, que apresenta como uma das alternativas a troca do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso.

2 - Produto com defeito: Prática muito comum nos EUA, a comercialização de produtos com pequenos defeitos costumam receber descontos compensatórios. Pode ocorrer esse uso no Brasil? Eu acredito que sim, desde que previamente à comercialização do produto seja informado ao consumidor, de modo claro e preciso, que o desconto de 20 reais da jaqueta se deve a um pequeno defeito na costura dos botões, por exemplo. Nesse caso, o consumidor irá ponderar se vale a pena levar o produto com desconto de 20 reais, sabendo que ele apresenta pequeno defeito. O próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 18, apresenta como umas das soluções para o vício de qualidade de produtos o abatimento proporcional do preço. Ocorre que, regra geral, ninguém compra um produto sabendo que ele apresenta um defeito. Por isso a lei traz as alternativas de troca do produto, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço. A partir da situação específica, o consumidor avaliará qual das três soluções será a melhor para o seu caso. No entanto, na comercialização de produto em promoção em razão de vício de qualidade identificado, a escolha já foi feita pelo consumidor, de modo que ele não poderá reclamar pelas outras alternativas do art. 18 pelo mesmo vício. Porém, se a jaqueta apresentar problema em relação ao zíper (que se encontrava perfeito no momento da venda), o consumidor poderá utilizar as alternativas legais. Por isso a importância do respeito aos princípios da Boa-fé objetiva, Transparência e Informação. O desconto que o consumidor obteve se deve ao problema com os botões e não com o zíper e isso deve ficar muito claro no momento da comercialização da jaqueta.

Portanto, na próxima compra de produtos em promoção pergunte ao vendedor: Por que o produto está em promoção, por ser da coleção passada ou por apresentar algum defeito? Se for por apresentar defeito, por qual defeito? Se você decidir pela compra com desconto por defeito, peça que o vendedor especifique o defeito na nota fiscal. Sim, exija sempre sempre sempre a nota fiscal! E se o vendedor não quiser fazer a menção do defeito específico ou se você perceber que o produto apresenta pequeno defeito mas a desculpa dada foi em razão da coleção passada, desista da compra. Lojas que não respeitam os princípios da boa-fé, transparência e informação não merecem o seu dinheiro. Afinal, em épocas de promoção, há milhares de lojas com descontos imperdíveis.