terça-feira, 1 de março de 2011

NÃO TROCAMOS PRODUTOS EM PROMOÇÃO

Sabe aquela sensação que professor de português tem quando ouve "Empresta o livro pra mim ler"? Não sou professora de português, mas também tenho essa péssima sensação quando leio ou escuto certas frases, que do ponto de vista da gramática portuguesa podem não estar incorretas, mas sob a óptica do Direito do Consumidor beiram a falta de respeito. 

"Não trocamos produtos em promoção" consiste numa dessas frases de horror. E como nos encontramos numa época na qual somos bombardeados por liquidações, eu me vejo na obrigação de alertá-los sobre essa prática comum no comércio. 

Lembrei de uma situação que se encaixa perfeitamente como exemplo para a questão ficar mais clara. Num belo dia fui a uma loja de calçados muito famosa na cidade, que estava com promoção de até 70% nos produtos (é de conhecimento geral que o sapato com 70% de desconto é o número 42 na cor amarelo-barro). Experimentei um par de sapatos (perceptivelmente da estação passada, mas era um modelo clássico então valia a pena ser comprado) e decidi comprá-lo. Como uma boa consumidora, exigi a nota fiscal no momento do pagamento. A vendedora disse que não adiantava eu receber a nota fiscal porque aquele produto não poderia ser trocado de qualquer jeito. Como assim??? Dei um discursinho básico de uns 5 minutos e exigi a nota fiscal, que foi gentilmente concedida. Prática duplamente abusiva!


Afinal, por qual motivo os produtos em promoção não teriam direito à troca? Leitores assíduos do blog questionam: qual troca, a facultativa ou a obrigatória? Eu estou falando sobre a troca obrigatória, até porque a facultativa, como o próprio nome diz, é facultativa, pode ser concedida ou não. Mas os comerciantes especificam se essa troca que não pode ser efetuada é a obrigatória ou a facultativa? Geralmente não (eu pelo menos nunca vi). E eles justificam a razão de o produto estar em promoção ou de não poder ser trocado? Só se a gente perguntar e olhe lá.


As relações de consumo são regidas por inúmeros princípios jurídicos. Destaco três que devem ter observância obrigatória nessa situação específica. Pelo princípio da Boa-fé objetiva as partes (consumidor e fornecedor) devem agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade. Já o princípio da Transparência se traduz na obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que são oferecidos. Por fim, o princípio da Informação, complementando os dois anteriores, estabelece a obrigação de o fornecedor prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços, etc, de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.


Aplicando-se esses princípios aos produtos promocionais, chega-se a conclusão de que o fornecedor deve prestar de maneira clara e precisa o motivo pelo qual os produtos estão em promoção e não podem, teoricamente, serem trocados. 


Eu já publiquei um post diferenciando a troca obrigatória de produtos por aquela troca facultativa, geralmente disponibilizada pelo fornecedor quando compramos algo "para presente". Lembrou? Não? Segue o link então para relembrar: http://aeradoconsumo.blogspot.com/2010/12/e-pra-presente.html

Tanto em produtos com o preço normal, quanto em produtos em promoção, o fornecedor terá a faculdade de disponibilizar a troca por motivos que não sejam os legais, como por exemplo, um arrependimento posterior da cor do produto, um presente que não serviu, etc. Como se trata de uma faculdade, o comerciante terá o direito de não conceder a troca em tais casos para os produtos em promoção. Apenas alerto para que nessa situação o fornecedor deixe bem claro ao consumidor o real motivo da plaquinha "não trocamos produtos em promoção", ou seja, que seja esclarecido de antemão que não podem ser trocados produtos em promoção apenas naqueles casos de presente, arrependimento posterior, etc.

E quanto às trocas obrigatórias? Não importa se o produto está com seu preço normal ou com desconto, se houver vício de qualidade, sua troca será uma das opções dada pela lei para resolver o problema.

Destaco os dois principais motivos para a ocorrência do desconto do produto:

1 - Produto da estação passada: Acabou o verão e as lojas precisam se desfazer dos produtos antigos para dar lugar aos produtos da nova coleção. Para isso elas promovem superliquidações com descontos razoáveis. Não é do interesse dos comerciantes que o consumidor troque a jaqueta de 40 reais (preço com a promoção, porque o preço anterior era de 60 reais) da estação passada pela janqueta de 60 reais da nova coleção. Contudo, nos casos de vício de qualidade do produto a troca continuará obrigatória. Se a jaqueta de 40 reais da estação passada apresentar problema no zíper, desde que não provocado pelo mau uso do consumidor, a loja deverá respeitar o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, que apresenta como uma das alternativas a troca do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso.

2 - Produto com defeito: Prática muito comum nos EUA, a comercialização de produtos com pequenos defeitos costumam receber descontos compensatórios. Pode ocorrer esse uso no Brasil? Eu acredito que sim, desde que previamente à comercialização do produto seja informado ao consumidor, de modo claro e preciso, que o desconto de 20 reais da jaqueta se deve a um pequeno defeito na costura dos botões, por exemplo. Nesse caso, o consumidor irá ponderar se vale a pena levar o produto com desconto de 20 reais, sabendo que ele apresenta pequeno defeito. O próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 18, apresenta como umas das soluções para o vício de qualidade de produtos o abatimento proporcional do preço. Ocorre que, regra geral, ninguém compra um produto sabendo que ele apresenta um defeito. Por isso a lei traz as alternativas de troca do produto, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço. A partir da situação específica, o consumidor avaliará qual das três soluções será a melhor para o seu caso. No entanto, na comercialização de produto em promoção em razão de vício de qualidade identificado, a escolha já foi feita pelo consumidor, de modo que ele não poderá reclamar pelas outras alternativas do art. 18 pelo mesmo vício. Porém, se a jaqueta apresentar problema em relação ao zíper (que se encontrava perfeito no momento da venda), o consumidor poderá utilizar as alternativas legais. Por isso a importância do respeito aos princípios da Boa-fé objetiva, Transparência e Informação. O desconto que o consumidor obteve se deve ao problema com os botões e não com o zíper e isso deve ficar muito claro no momento da comercialização da jaqueta.

Portanto, na próxima compra de produtos em promoção pergunte ao vendedor: Por que o produto está em promoção, por ser da coleção passada ou por apresentar algum defeito? Se for por apresentar defeito, por qual defeito? Se você decidir pela compra com desconto por defeito, peça que o vendedor especifique o defeito na nota fiscal. Sim, exija sempre sempre sempre a nota fiscal! E se o vendedor não quiser fazer a menção do defeito específico ou se você perceber que o produto apresenta pequeno defeito mas a desculpa dada foi em razão da coleção passada, desista da compra. Lojas que não respeitam os princípios da boa-fé, transparência e informação não merecem o seu dinheiro. Afinal, em épocas de promoção, há milhares de lojas com descontos imperdíveis.




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